Dentre as várias ferramentas de planejamento sucessório, definitivamente uma das mais ignoradas é a escolha do regime de bens do casal.
A adoção por um regime no momento da celebração do casamento ou regularização da união estável pode ser o primeiro passo para definir as bases de um planejamento sucessório, da mesma forma que a não opção por nenhum deles pode significar a imposição de algumas regras que dificultem a plena execução dos anseios da família.
Ademais, ainda que não haja interesse em fazer um planejamento sucessório, é fundamental entender que a escolha do regime de bens impactará significativamente no inventário dos cônjuges, uma vez que qualquer deles faleça.
Daí advém a relevância de se compreender os efeitos dos regimes de bens na sucessão.
Antes, porém, é importante observar que o regime de bens impactará a sucessão apenas num cenário específico, que é o da sucessão de uma pessoa que deixou cônjuge e filhos.
Na hipótese de o falecido ter deixado cônjuge e pais ou irmãos vivos, não há influência do regime na partilha dos bens. Tais cenários, contudo, são menos comuns.
Portanto, a abordagem deste artigo é focada na hipótese da sucessão de casais com filhos.
Dito isso, existem no Brasil 5 regimes de bens diferentes, que são:
1) a comunhão parcial de bens;
2) a comunhão universal de bens;
3) a separação convencional ou absoluta de bens;
4) a separação legal ou obrigatória de bens;
5) a participação final nos aquestos.
À exceção do último citado, que está em desuso, todos os demais merecem uma análise cuidadosa de como influenciam na sucessão do casal com filhos.
Antes de adentrar em cada um dos regimes, contudo, é importante esclarecer que há uma regra de ouro, aplicável a praticamente todas as hipóteses de sucessão com cônjuge e filhos sobreviventes: quando há meação, não há herança e quando há herança, não há meação.
Essa regra será melhor esclarecida ao analisarmos cada um dos regimes:
- Comunhão parcial de bens
O regime da comunhão parcial de bens é, desde 1977, o regime legal brasileiro, o que significa que, caso os cônjuges não optem por nenhum dos demais regimes, é este que vai ser aplicado ao patrimônio do casal.
Da mesma forma, na união estável este é o regime aplicável aos casais que não a regularizaram por contrato ou escritura pública ou daqueles que até o fizeram, mas não elegeram regime diverso.
No regime da comunhão parcial de bens, em regra, se comunicam os bens adquiridos onerosamente por qualquer dos cônjuges a partir do casamento, com exceções impostas pela lei. Consequentemente, bens que pertenciam aos cônjuges ou companheiros antes do início da relação conjugal ou da união estável permanecem exclusivos de cada um.
Além disso, bens recebidos de herança ou doação pelos cônjuges, em regra, também são considerados particulares de cada um, não entrando na meação.
Em resumo, casais casados sob o regime de comunhão parcial de bens podem ter, ao mesmo tempo, bens comuns do casal e bens particulares de cada cônjuge.
Dito isso, e aplicando a regra de ouro acima mencionada, chegamos à conclusão de que sobre os bens comuns, não há direito de herança do cônjuge sobrevivente, ao passo que, sobre os bens particulares, ele herdará.
Para exemplificar, imaginemos que uma pessoa morreu e deixou seu marido, casado sob o regime de comunhão parcial de bens e 3 filhos. Além disso, há dois bens imóveis a inventariar, um adquirido pelo casal na constância do casamento (comum) e outro recebido de doação pelo cônjuge falecido (particular).
Sobre o bem imóvel adquirido pelo casal, o cônjuge terá direito a 50%, a título de meação, ao passo que os outros 50% serão divididos em ⅓ para cada filho.
Sobre o imóvel recebido de doação, o cônjuge falecido não terá direito de meação, contudo, terá direito de herança em concorrência com os filhos, o que significa que o bem imóvel será partilhado em ¼ para cada um dos quatro sucessores.
- Comunhão universal de bens
A comunhão universal de bens era o regime legal até o ano de 1977, quando este status passou a ser do regime da comunhão parcial de bens, como dito acima.
Na comunhão universal de bens, todos os bens dos cônjuges, inclusive os recebidos de herança e doação, e os adquiridos antes do casamento ou da união estável, se comunicam e passam a pertencer ao casal, salvo exceções previstas expressamente em lei.
Isso significa que, segundo a regra de ouro, o cônjuge casado sob o regime de comunhão universal de bens não teria direito de herança ao patrimônio, pois já seria meeiro de todo ele.
Exemplificando como no caso acima, o cônjuge seria titular de 50% dos dois imóveis (o adquirido durante o matrimônio e o recebido por doação), cabendo aos filhos os outros 50% divididos em ⅓ cada.
Por fim, um ponto relevante sobre o regime da comunhão universal de bens, especificamente para a constituição de holdings familiares em planejamento sucessório, é a vedação do art. 977 do Código Civil para que, em Sociedade Limitada (LTDA), sejam sócios pessoas casadas entre si sob o regime da comunhão universal de bens.
Tal vedação gera a necessidade de se buscar ferramentas alternativas, como a descrita aqui, ou até a alteração de regime de bens do casal, caso benéfica segundo as particularidades do caso, ou, ainda, a adoção de outras estratégias de planejamento sucessório.
- Separação convencional ou absoluta de bens
A separação convencional de bens é um regime no qual todos os bens de cada um dos cônjuges são particulares de seus proprietários, ou seja, não se admite meação (ou comunhão) dos bens.
É fundamental aqui diferenciar este regime do da separação obrigatória de bens, no sentido de que neste há uma opção dos cônjuges em não comunicar os próprios bens, e não uma imposição legal o determinando.
Justamente por não admitir comunhão dos bens e por ser opcional, este regime garante maior flexibilidade patrimonial aos cônjuges, permitindo que cada um disponha livremente de seu patrimônio particular, sem necessidade de anuência do outro, na forma do art. 1.647 do Código Civil.
Contudo, é imprescindível se fazer uma ressalva: a adoção deste regime não impede que os cônjuges adquiram bens em conjunto, mas apenas impede que haja comunicação dos bens pela meação.
Da mesma forma que dois amigos podem ser sócios num empreendimento imobiliário e serem co-proprietários em condomínio de um bem imóvel, um casal casado sob o regime da separação convencional de bens pode comprar um imóvel e ambos serem descritos na matrícula como proprietários em condomínio.
A diferença aqui, é que se saberá, de antemão, qual o percentual de propriedade de cada cônjuge sobre aquele bem, a depender da descrição da matrícula imobiliária, do instrumento de aquisição ou dos recursos financeiros empregados por cada um.
No que se refere à sucessão, aqui segue se aplicando a regra de ouro, de modo que não há direito de meação do cônjuge, mas há direito de herança.
Exemplificando, imaginemos dois cenários:
- Uma pessoa falece e deixa o cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens e três filhos. O patrimônio a ser analisado é composto apenas por um imóvel comprado exclusivamente pelo cônjuge sobrevivente no período do casamento. Nesta hipótese, sendo o bem particular do cônjuge vivo, não há nada a inventariar;
- Caso este mesmo bem tivesse sido comprado pelo cônjuge falecido, deveria ser levado a inventário e dividido em ¼ para o cônjuge e os demais filhos, todos titulares de direito de herança;
- Separação obrigatória de bens
O regime da separação obrigatória de bens é, seguramente, o mais discutido na história da jurisprudência nacional, sendo ele o único imposto pela lei.
Devem casar em regime de separação obrigatória de bens aqueles que se enquadrem nas hipóteses descritas no art. 1.641 do Código Civil, destacando-se aquela prevista no inciso II do dispositivo legal: o da pessoa maior de 70 anos.
Segundo o artigo mencionado, a pessoa maior de 70 anos não pode casar-se sob outro regime que não o da separação obrigatória de bens. Contudo, o STF decidiu, no julgamento do Tema 1.236 de Repercussão Geral, que a proibição imposta pela lei pode ser afastada pelos cônjuges, desde que manifestem essa vontade por meio de escritura pública.
Importante ressaltar que a decisão do STF se aplica apenas a esta hipótese de obrigatoriedade de regime de separação de bens, não incidindo nos demais cenários elencados no art. 1.641 do Código Civil. Ou seja, caso o casamento seja no regime de separação legal por outra razão, não há como afastá-lo por simples escritura pública.
No que diz respeito à sucessão, o regime de separação obrigatória de bens não admite direito de herança quando o falecido deixar descendentes, por expressa vedação legal contida no art. 1.829, I do Código Civil. Ocorre que a grande discussão envolvendo a sucessão nesse regime envolve, na verdade, o direito de meação.
Isso porque a Súmula 377 do STF, editada no ano de 1964, diz expressamente que: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”
A súmula foi interpretada e reinterpretada inúmeras vezes ao longo dos anos, tendo o STJ firmado entendimento em 2012 de que, no regime da separação obrigatória de bens, se presumia o esforço comum do casal na aquisição do patrimônio, fazendo com que os bens, salvo prova em contrário, entrassem na comunhão do casal.
Ocorre que a solução dada pelo STJ gerou inúmeras discussões acerca da efetividade da imposição legal de exclusão da comunhão, eis que, se presumido é o esforço comum, não haveria diferença entre o regime de comunhão parcial e o de separação legal de bens.
Apenas em 2018 o tema foi pacificado definitivamente pelo STJ, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial de nº 1.623.858/MG, quando o Tribunal decidiu que os bens adquiridos na constância do casamento sob o regime da separação obrigatória de bens podem se comunicar desde que haja prova do esforço comum para sua aquisição.
Em resumo, neste regime, pode haver direito de meação do cônjuge sobrevivente sobre os bens adquiridos durante o casamento, desde que comprovado o esforço comum do casal.
Assim, ao regime da separação obrigatória de bens também se aplica a regra de ouro, com um pequeno ajuste: se há meação (neste caso, pode haver), não há direito de herança.
Ilustrando, se uma pessoa falece e deixa um bem imóvel, um cônjuge casado sob o regime de separação obrigatória e três filhos, o bem será dividido apenas entre os filhos, em ⅓ cada, titulares de direito de herança, salvo se comprovado o esforço comum do cônjuge sobrevivente na aquisição, ocasião na qual 50% do bem deve ser reservado a ele, a título de meação.
Por fim, é importante lembrar que o casal casado sob o regime da separação obrigatória de bens também não pode formar sociedade empresária, na forma do art. 977 do Código Civil, já citado, o que pode exigir a adoção de diferentes estratégias de planejamento sucessório, que não a holding familiar.